Custo de oportunidade

Foi em uma quarta-feira de uma semana bem corrida para mim. Estava almoçando com colegas de trabalho, em um desses self-services por quilo em que você paga pela batata o mesmo preço do bacalhau.

Almoçar com colegas de trabalho é um dos rituais sociais mais sagrados da vida adulta, evolução do recreio da escola e do bandejão da faculdade. É quando a moça do R.H. vira a Karla e o rapaz da T.I. vira o Maicom. É com essas pessoas que você passa a maior parte do seu tempo, é verdade, mas só no almoço você as vê como gente e não como funções.

E como gente, conversamos sobre assuntos de gente. Assuntos de gente jovem, como somos, mas de gente adulta, como também somos. Falávamos sobre como era caro, e talvez fútil, dar uma festa de casamento. Falávamos sobre Star Wars, que acho legal, mas nem tanto assim. Era um almoço comum, a comida estava boa, tinha pego bastante legumes para emagrecer.

Se me dissessem que nesse dia eu ouviria a coisa mais estúpida da minha vida, teria ficado cético. Estava eu então cercado de pessoas que julgo cultas e inteligentes, pessoas da minha mais alta estima.

Já tinha dado uma ou duas garfadas na salada de palmito, um ou dois goles no meu suco, quando ele sentou na minha frente. O último lugar vago da mesa, resultado de nosso número ímpar, havia sido preenchido. O rapaz, que tinha visto poucas vezes, mal sabia o nome, era amigo de faculdade de alguns de meus colegas, estudantes da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP.

Ah, a USP, a universidade que abandonei, mas que nunca vou abandonar. Não concluí meu curso, mas mantenho profundos laços com pessoas que lá estudam, estou sempre cercado por elas. Também jamais vou abandonar a luta para que ela se torne uma universidade melhor, mais livre e, principalmente, mais acessível.

Curioso com a situação da recente greve de alunos, perguntei ao mais novo integrante da nossa turma de almoço:

– Você é da USP, né? Está participando da greve?

Ele riu! Achou graça e olhou para sua colega buscando a compreensão que não obteve de mim, ao passo que fiquei absolutamente perplexo com sua reação. Então, sorrindo, ele disse:

– Nós da FEA não entramos em greve! O nosso custo de oportunidade é muito alto!

Confuso com o que tinha ouvido, retorci meu rosto involuntariamente, e perguntei, esperançoso:

– Mas o que é custo de oportunidade?

Fui recebido com um sorriso soberbo, que precedeu a explicação:

– Custo de oportunidade é o preço que você paga ao não aproveitar uma oportunidade. Por exemplo, se você escolhe dormir ao invés de trabalhar, seu sono custa o dinheiro que ganharia se estivesse trabalhando.

Simples e clara explicação de um simples e útil conceito de economia. Comprovou que, sim, ele havia acabado de dizer as palavras mais estúpidas que meus ouvidos já tiveram o desprazer de ouvir. Sua frase, sua entonação e seu sorriso concentraram toda a ignorância do mundo – perigosa ignorância.

Tudo começou pela risada, reação de associar uma pessoa como ele, estudante de uma grande faculdade de economia, futuro bem sucedido economista, à atividades tão proletárias quanto “entrar em greve”. Soou absurdo para ele que eu ao menos cogitasse que ele participaria do movimento estudantil.

A risada mostrou preconceito e ignorância, mas não mais que suas palavras. Começa com “nós da FEA não entramos em greve”, querendo supor que todos os alunos, professores e funcionários daquele enorme e belo prédio de sua faculdade concordavam com ele no fato que não deveriam nunca entrar em nenhuma greve, independente da razão. Supõe que essa é uma da FEA enquanto unidade, e todos, portanto, deveriam seguir e concordar, como membros de um partido.

Com “nosso custo de oportunidade é muito alto para entrarmos em greve” ele conseguiu condensar a maior quantidade possível de pretensão e ignorância por palavra. Foi uma frase densamente pretensiosa e ignorante. Admiraria a construção dessa frase como uma obra de arte se seu objetivo fosse a ironia, mas fiquei profundamente assustado ao notar que seu autor a tinha levado a sério.

Pretensão que começa ao achar que ele próprio possuí um custo de oportunidade mais elevado que os demais, que seu tempo vale muito, o que supostamente o impediria de entrar em greve. Se estende a pretensão que ao insinuar que economia é uma ciência mais valiosa que as demais, provedora de oportunidades mais valiosas que não devem ser desperdiçadas.

Ignorância que começa ao achar que entrar em greve não tem valor. Como se lutar por uma universidade pública e livre trouxesse muito pouco benefício, portanto ele não perderia uma aula de economia para esse fim. Mostra egoísmo, pois ele que já conquistou seu lugar ao sol, já estuda lá e já tem uma carreira, não se sente motivado a lutar por mais justiça – não vale a pena o custo.

Penso que gente assim acaba ocupando papéis de destaque no nosso mundo e que, por isso, o mundo é pior. Gente que acha que seu próprio tempo é muito valioso para se perder melhorando o mundo, que acha que o melhor que pode fazer é alcançar o máximo de seu fantasioso sucesso pessoal.

Penso que é irônico que gente continuará frequentando universidades públicas que só existem por causa da luta desses que menosprezam. É muita ignorância…

Essa perigosa ignorância está sendo ensinada como doutrina aos nosso jovens. O próprio rapaz assumiu:

– Na FEA somos doutrinados a pensar assim.

– E você deixou te doutrinarem? – perguntei, surpreso.

– Sim, deixei.

Ele deixou.

Não deixe você também.


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