Como vim parar aqui

Era um corredor extenso. As paredes eram cobertas de veludo, o chão de um carpete fofo, as portas brancas. Dentre todas as portas, todas iguais, uma se destacava por ter um placa: não entre.

A tentação de entrar só se manifestou sobre essa, a qual abri para uma breve espiada. Não entre, ou entre? Qual era realmente a intenção de quem pôs a placa? Palavras dizem intenções por vezes contrárias.

Abri uma fresta para olhar por dentro. Tinha um jardim verde com um banco de praça. Ora, dentro desse prédio escuro, como poderia se guardar um jardim tão belo?

Intrigado, fechei a porta. Parti para outra, dentre tantas sem placa alguma.

Abri a segunda porta esperando me surpreender, mas encontrei apenas outro corredor, com inúmeras portas. Fechei essa também, não tenho paciência para labirintos.

Na terceira porta, resolvi bater antes de entrar, e fui respondido com “Tem gente!”. Abri mesmo assim, pagando para ver se era o banheiro. Dentro dela encontrei uma família de cachorros jantando um pernil, que se achou desrespeitada e latiu novamente: tem gente, tem gente!

Fechei a porta em respeito aos cães, mas quando olhei em volta, não estava mais no corredor. Estava flutuando em uma nuvem no céu e podia ouvir o som do mar, mas não podia vê-lo.

– Onde está o mar? – gritei.

O mar apareceu com suas barbas molhadas e hálito de peixe e me disse:

– Estou aqui, meu filho, como posso ajudá-lo?

– Tire-me desse sonho sem sentido e me devolva para a realidade!

– É para já!

E foi assim que acordei hoje, no mundo real, onde tudo é previsível e cachorros não falam.

Foi assim que voltei para o mundo onde as portas de corredores escuros não dão em jardins.


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