O último dia

Esse será o último dia da minha vida.

Lembro de correr o dia todo no clube sem me cansar, de pular de pedra em pedra sem pisar na grama e de tentar levantar sem sucesso os halteres da academia.

Agora já não posso mais correr, meus joelhos não me deixam pular, e levantar mil vezes os halteres não é suficiente para me fazer emagrecer.

Lembro do meu primeiro dia na escola nova, aquela gente que não me conhecia e com quem estava louco para conversar, de comprar fichas coloridas na cantina e de não saber o que era uma fogazza.

Agora já não vou mais a escola, já larguei minha faculdade, todo mundo me conhece, passo tudo no cartão e me enjoei de fogazza.

Lembro de passar o dia na casa dos meu primo ouvindo Oasis, de arranhar violão e invejar seu teclado Cassio, de ficar balançando na rede do quintal discutindo o quanto impressionante seria a próxima geração de videogames.

Agora o Oasis acabou, meu violão pega poeira, meu teclado está debaixo da cama, meu primo mora em apartamento e a próxima geração de videogames não me impressionou nada.

Uma vez, me perguntaram: onde você se imagina daqui dez anos? Não soube responder.

Minhas memórias são registros do passado. São apenas registros, e não realidades, não são o passado, muito menos o presente.

Vivemos sucessivas pequenas vidas que nosso cérebro insiste em manter registro para nos dar a ilusão de continuidade. Você não acordará amanhã o mesmo que hoje, mas sua mente lhe convencerá que sim. Você não pode garantir que cumprirá as suas promessas, pois não será mais você. Você não realizará seus sonhos, pois não serão mais os seus.

Tantas vidas essas que não tenho mais e tantas pessoas essas que não sou mais. A cada ano que passa, a cada dia, é o último de nossas vidas. Amanhã, semana que vem, é outra vida, outro Diego, outro mundo.

Onde eu me imagino daqui dez anos? Não serei mais eu.


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